Gravity Falls: o contrassenso da indústria de desenhos

Na segunda feira, dia 15/02/2016 o desenho produzido pela Disney, Gravity Falls, criado pelo americano Alex Hirsch, teve seu Series Finale. Eu e minha esposa, depois de algumas recomendações, acompanhamos a série do começo ao fim, e ontem vimos o episódio final. Devo dizer, caros amibos, houve forte suadouro nos olhos.

O desenho segue as aventuras de Dipper e Mabel Pines, irmãos gêmeos de 12 anos que estão passando o verão numa cidadezinha do Oregon, chamada Gravity Falls, na casa de seu tio-avô trambiquero Stan. Além de casa, o local é uma daquelas atrações de borda de estrada cheia de merchandising e fisga-turistas chamada Mistery Shack.

Mistery Shack

Enquanto Dipper é inteligente e introspectivo, Mabel é hiperativa e cativante, e essa dualidade dos personagens principais cria uma dinâmica incrível durante a narrativa que consegue te pegar nos primeiros minutos do primeiro episódio. É impressionante notar o cuidado monstruoso posto em cada parte do roteiro, animação, piadas, texto e etc, e certamente é onde a Disney deve entrar.

Contrassenso da indústria

Embora seja muito fácil apenas dizer: ASSISTAM GRAVITY FALLS, É INCRÍVEL, PAREM TUDO E VEJAM!!! Eu queria na verdade falar sobre como esse desenho é diferente de tudo que já vi até hoje (vale dizer que não assisti ainda Over The Garden Wall ou Stephen Universe e Adventure Time não tenha me cativou tanto).

É difícil não estressar o quanto de trabalho e cuidado há na produção do desenho. A quantidade de material fora do desenho que deu munição para milhões de teorias malucas dos fãs. Para terem noção, cada episódio trazia um código no fim dos créditos, que trazia uma mensagem encriptada, as vezes apenas uma piada, as vezes uma informação crucial para o desenho. O diário com as informações de coisas sobrenaturais de Gravity Falls que Dipper pega no primeiro episódio é algo notável. As informações dele não são simplesmente jogadas, elas fazem sentido dentro do universo do desenho.

Hey Gurl...Com apenas 2 temporadas, e um total de 40 episódios, e por vontade dos próprios criadores, essa maravilhosa animação teve seu final. Para os padrões atuais da industria de entretenimento, isso é um total contrassenso. A Di$ney, detentora da Marvel, Star Wars e além de outras franquias geradoras infinitas de dinheiro fechando uma série super popular com apenas 2 temporadas? Como assim?!

Depois de ver todos os episódios 2 vezes, é fácil perceber que a produção do desenho pareceu sempre estar nas mãos de Alex e sua patota, tanto pelas decisões de roteiro, quanto por muitas piadas adultas e temas abordados durante a narrativa de cada episódio. Há piadas claramente adultas, como quando Dipper está procurando algo nas coisas de seu tio avô e se depara com uma revista de mulheres maduras. Abordam em muitos momentos questões de feminismo e igualdade entre gêneros, sexualidade entre outros assuntos espinhosos que não são comuns de aparecerem em desenhos, embora devessem sim serem discutidos. Ou quando durante um episódio eles fazem piadas com as próprias franquias da Disney, em especial aquelas bandas adolescentes enlatadas estilo High School Musical, inclusive dublado pelo Lance Bass do N’Sync. Até mesmo as morais que são tratadas no desenho distoam do senso comum. Por exemplo quando a Mabel aprende que as vezes, a mentira é algo benéfico para a sociedade e que as vezes a moral diante de um juiz  pode ser irrelevante. Dar liberdade criativa para os produtores do desenho foi uma das mais acertadas decisões da empresa do rato capitalista.

 

Mas porque Gravity Falls é tão incrível?

A reposta curta é: Os personagens. Para a reposta mais longa preciso desenvolver um conceito. Em termos de roteiro pode-se dizer que a série é character-driven, o seja, a personalidade e a interação dos personagens com os outros personagens e com o ambiente em que eles estão é o que move a história para frente. Embora os mistérios e o sobrenatural tenham uma parte enorme do desenho, eles não estão presentes em todos os episódios. Em muitos pontos da história e em plot twists o que realmente importa é como cada personagem reage ao que está acontecendo. Se algo irracional aparece você já espera Dipper analisar aquilo com seu ceticismo e sua astúcia. Quando há algum jeito de Stan se dar bem em cima de outrém você sabe que ele o fará. É muito normal, logo depois dos primeiros episódios você ver alguma maluquice algo e falar: “Isso é muito algo que a Mabel, faria, pensaria, diria!”

Todos os personagens são criados com muito cuidado, e todos tem falhas e qualidades que os tornam muito humanos. Não há aquela dissonância narrativa de muitos desenhos dos anos 90 em que algo maluco ou no-sense acontece por ser maluco e os personagens simplesmente aceitam. Em momentos que você esperaria que os personagens navegariam com a onda, há questionamentos, há problematização, há uma quebra de paradigmas que faz o desenho brilhar.

A primeira temporada está completa no Netflix, já a segunda pode ser adquirida de formas não ortodoxas. Fica no crivo de vocês.

Por fim recomendo alguns links, alguns para quem já viu ou está vendo o desenho:

9 thoughts on “Gravity Falls: o contrassenso da indústria de desenhos

  1. Gravity Falls é uma das coisas pelo qual mais nutri carinho nos últimos tempos,gosto
    Como ele pode ser apreciado por camadas seja pelo seu humor simples,mas eficiente ou pela loucura que é as diversas pistas encontradas até nos créditos da animação .(até tentei aprender um pouco de criptografia pra entrar na brincadeira uma época ).

    Gosto muito por ser um desenho autoral e eu percebo isso principalmente no carinho dedicado na abertura do desenho.( não só pela qualidade da animação e da música e sim pelo que ela nos conta sobre os personagens e o show).

    De fato era um desenho que caminhava na direção oposta da indústria ,me assutava até ser produzido pela Disney

  2. Definitivamente é uma série incrível, e o fato de ser curta sozinha já traz uma pilha gigante de qualidades. Entre eles ficar mais completa e redonda, ser possível assistir nessa nossa vida sem tempo pra nada, não ficar saturada, e também outras coisas que tenho começado a pensar e não sei articular ainda.

    Só assisti a primeira temporada, e estou muito ansioso pela segunda. Pena não ter na netflix ainda, talvez tenha que dar meus pulinhos.

    Tenho apenas uma sugestão sobre o texto: acho que dissonância ludo-narrativa se aplica apenas a jogos, não? Até entendi o que quis dizer, mas acho que é outro conceito.

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